O fabrico de uma peça de olaria nisense passa inevitavelmente por diferentes fases, que vão desde a simples obtenção do barro até ao delicado ato da cozedura final. É este processo que aqui procuramos descrever, dividindo-o em cinco fases distintas, cada uma delas composta por procedimentos, mais ou menos complexos. “Extração”, “A Pasta”, “Modelagem”, “Decoração” e “Cozedura”.


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    Extração do Barro

     

    Extração do Barro

    Na composição da pasta utilizada na Olaria de Nisa entram três espécies de barro: o branco, o preto e o vermelho (este último apenas utilizado para dar cor à peça).

    Sendo que o concelho se situa numa zona com constituição geológica de natureza xistosa, qualquer destes barros é difícil de obter em condições ideais. Encontram-se na sua constituição sedimentos de origem mecânica, misturados com partículas clásticas e detríticas, e no geral todas estas pastas apresentam uma consolidação considerável, o que as leva a fender facilmente quando expostas a muito altas ou muito baixas temperaturas. Mas para além destas características genéricas, cada uma destas margas utilizadas, apresenta características mais específicas:

    O Barro Branco é uma argila muito arenosa de cor essencialmente branca e com alguns laivos vermelhos, de consistência gomosa, da Idade Terciária, e é hoje em dia essencialmente procurado num local situado a cerca de 12 Km da Vila, designado por Estibas.

    O Barro Preto é um silto argiloso de cor parda, microvacular, bastante denso, resultante do depósito de inundação da Ribeira de Nisa, da Idade Quaternária, e encontra-se principalmente num local que dista aproximadamente 3Km da vila, chamado de Fonte Seca, na Herdade de Maria Dias.

    O Barro Vermelho, muito raro de conseguir em camadas espessas e existindo normalmente em pequenos depósitos situados a grande profundidade, é uma argila siltosa e arenosa, corada de vermelho, devido à forte quantidade de óxido-de-ferro, da Idade Terciária, e é apanhado nos contrafortes da Serra de S. Miguel, nos arredores do local de Nisa-a-Velha, ou vai-se buscar à vila vizinha de Arronches.

    Barreiro local onde é extraído o Barro
    Barreiro local onde é extraído o Barro
    Barro após a Extração
    Barro após a Extração
    Barreiro, ou tanque, onde o oleiro coloca o barro a demolhar
    Barreiro, ou tanque, onde o oleiro coloca o barro a demolhar
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    Aspecto da pasta utilizada na confecção das peças, composta por uma mistura de barro branco e barro preto.

     

    A preparação da Pasta

    Para fabricar a pasta que dá corpo às peças, e de forma a dar plasticidade ao Barro Branco, demasiado resistente para ser trabalhado isoladamente, utilizam-se duas partes deste para uma de Barro Preto, bastante mais maleável, e logo facilitador do trabalho do oleiro ao puxar o barro na roda.

    No início de todo o processo estes barros são postos a derregar, ou demolhar, num barreiro (pequeno tanque existente na oficina do oleiro) por forma a que se desagreguem e possam posteriormente ser misturados com mais água (em quantidade equivalente à do barro), obtendo-se assim uma pasta semilíquida.

    De seguida, passa-se esta pasta para um outro barreiro, através de um crivo de arame que lhe retira as impurezas, permanecendo aí durante pelo menos três dias, tempo durante o qual se vai retirando a água que vem à superfície, com os detritos do barro em suspensão. Depois, amassa-se bem a pasta e deixa-se no mesmo barreiro a secar durante pelo menos mais três dias, conforme a temperatura ambiente, a fim de enxugar.

    Perdida a humidade em excesso, o barro é então aventado aos bocados, a que se chama bonecos, contra uma parede de tijolo coberta de cimento (o tipo de parede preferida nas olarias, por absorver mais rapidamente a humidade) e deixa-se estar ali colado até se dar sezão do mesmo, ou seja, até o barro perder suficiente humidade para cair nas tábuas que o oleiro colocou sobre os barreiros.

    Estando então pronta a trabalhar, a pasta é transferida para a atoquina, mesa na qual vai ser bem sovada (amassada) pelas mãos do oleiro e reduzida a pélas, que são pequenos pedaços cilíndricos que correspondem à porção de pasta suficiente para cada peça.

    Barreiro, ou tanque, onde o oleiro coloca o barro a demolhar e posteriormente a secar, ou enxugar, por forma a perder a humidade em excesso.
    Barreiro, ou tanque, onde o oleiro coloca o barro a demolhar e posteriormente a secar, ou enxugar, por forma a perder a humidade em excesso.
    O oleiro atira pedaços de barro, ou pélas, contra a parede da olaria, onde as mesmas ficam coladas, até perderem a umidade suficiente para cairem sobre o barreiro.
    O oleiro atira pedaços de barro, ou pélas, contra a parede da olaria, onde as mesmas ficam coladas, até perderem a humidade suficiente para cairem sobre o barreiro.
    O barro é bem amassado sobre a atoquina, antes de ser moldado.
    O barro é bem amassado sobre a atoquina, antes de ser moldado.
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    Já na roda, o oleiro José Pequeito começa a moldar a peça

     

    A Modelagem

    É então que o oleiro passa para a roda, sobre a qual coloca as pélas, com a intenção de as modelar no formato que pretende.

    Apesar de a roda tradicional ser movida pela força exercida através de um dos pés do oleiro, numa espécie de pedal situado na parte de baixo da mesma, hoje em dia, à exceção do oleiro José Pequito, que utiliza somente este sistema, os restantes renderam-se já, de certa forma, às rodas elétricas, que utilizam a par das tradicionais. Neste processo de modelagem, o oleiro tem junto de si, sobre a atoquina, um barranhão (pequeno recipiente de barro com água, onde o oleiro vai molhando as mãos por forma a conservá-las limpas do barro pegajoso, mas também húmidas, para conferirem plasticidade à pasta, à medida que a mesma vai sendo trabalhada).

    Durante o Inverno, o Oleiro socorre-se ainda de um pequeno fogo, que tem perto de si, de forma ao barro não estriar com o frio. Depois de moldada a peça a seu gosto, mas ainda na roda, o oleiro utiliza então uma aplanata (pedaço de feltro) e uma cana para a aperfeiçoar: enquanto a aplanata alisa ao mesmo tempo que fornece alguma humidade à peça, a cana serve apenas para alisá-la, retirando-lhe saliências ou pequenas covas, por forma à sua superfície ficar o mais plana possível.

    Seguidamente, a peça é separada ou cortada do soco da roda, com uma linha presa a um pequeno pau – ou apenas através das mãos do oleiro, quando se trata de peças de grande porte – para ir para o enxugo, ou seja, ser exposta ao Sol a secar, para posteriormente levar um banho de barro vermelho, o chamado tingir da loiça, que lhe dá a cor corada e avermelhada, ao invés da sua cor parda natural. Caso as peças tenham asas ou bicas (bicos), então, antes de as tingir de vermelho, o oleiro deixa-as a secar ao Sol mais tempo, durante cerca de doze horas, e só depois lhes cola estes acabamentos. As asas são as únicas partes da peça que não são feitas no roda, pois o oleiro molda-as com lamuge, que é um barro mais fino e maleável que retira das mãos e dos instrumentos de trabalho quando os limpa, e que é colocado de parte, na beira da atoquina: molhando as mãos na água do barranhão, o oleiro vai puxando esse barro para si, até conseguir uma tira em forma de asa, que corta com os dedos, e cola à peça, novamente com um pouco de lamuge, alisando de seguida os remates com a cana.

    Nestes casos, as peças vão a enxugar novamente ao Sol e só depois recebem o banho do barro vermelho.

     

    O tingimento


    Para preparar a tinta do tingimento, o oleiro dissolve o barro vermelho em água, durante algumas horas (as quantidades são calculadas a olho, por forma a obter-se uma tinta fina e ligeiramente compacta), e depois passa-o por uma peneira de seda, que o livra das impurezas. A tinta é então colocada numa espécie de alguidar, no qual se emergem as peças, normalmente começando pelas asas, depois continuando pelo bordo e o colo, e terminando no bojo e na base. Já nas peças de maior porte, é utilizada a aplanata (bem embebida, para cobrir de tinta toda a superfície exterior das peças). Depois, põem-se as mesmas a enxugar ao Sol, ou até mesmo dentro da oficina, até que a tinta seja bem absorvida e se possa então proceder ao polimento da peça, antes de estar totalmente seca, processo no qual se puxa o lustro ao barro friccionando-o repetidamente com as mãos molhadas. Todo este processo de tingimento e polimento fica já muitas vezes a cargo da mulher do oleiro, ou de uma operária, que posteriormente procederá à decoração da peça, quando a mesma estiver com a consistência suficiente para receber as pedrinhas de quartzo.

    Barranhão - recipiente onde o oleiro molhas as mãos
    Barranhão - recipiente onde o oleiro molhas as mãos
    Cana: utensílio utilizado pelo oleiro para alisar a peça
    Cana: utensílio utilizado pelo oleiro para alisar a peça
    Processo de tingimento da peça com barro vermelho, utilizando a aplanata
    Processo de tingimento da peça com barro vermelho, utilizando a aplanata
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    A operária introduz as pedrinhas de quartzo ao longo dos riscos feitos na peça, sempre com a parte mais pontiaguda para dentro e depois pressiona-as com a unha do polegar.

     

    A Decoração

    Sempre levada a cabo por experientes e delicadas mãos femininas, é sem dúvida a técnica da decoração empedrada das peças que lhes confere um verdadeiro cunho artístico e original.

    Requerendo tal labor muita paciência e mestria, fica normalmente a cargo da mulher do oleiro, que pode eventualmente ter sob sua orientação outras operárias pedradeiras (que metem as pedrinhas de quartzo nas peças), pagas à peça, e que podem trabalhar na oficina do oleiro ou mesmo nas suas próprias casas.

     

    Pedra


    A pedra branca utilizada na ornamentação é um Quartzo Leitoso: rocha pneumatolítica e filoliana, intercalada nos Xistos das Beiras, e que tradicionalmente se vai buscar à vizinha Serra de S. Miguel. Sendo um mineral bastante duro, é necessário cozê-lo no forno, a altas temperaturas – no forno tradicional utilizava-se lenha grossa, mas hoje em dia todos os oleiros utilizam já fornos elétricos – de forma a tornar a pedra mais friável, facilitando assim a sua trituração e moagem. Após ter arrefecido, e com a ajuda de um paralelepípedo de granito, normalmente sobre uma laje do chão da oficina destinada a esse fim, as mulheres procedem então à trituração do Quartzo (agora já com a cor branca final, devida também à cozedura). Desfazem-no em pequenas pedrinhas, que vão depois passar por crivos, de modo a ficarem divididas em três tipos ou calibres: pedra de 1ª, de 2ª e de 3ª (ou grossa), com diâmetros aproximados de 1/2 mm, 2/3 mm e 3/4 mm, respetivamente. Chama-se a isto, esmigalhar e apurar o Quartzo.

     

    Desenho


    A operária (normalmente é a mulher do oleiro que tem todo o trabalho criativo, acabando por ter um estatuto mais elevado que o das restantes operárias e supervisionando o seu trabalho de mera execução técnica) começa por riscar, a seu gosto e com incrível precisão, a peça de barro, utilizando para tal uma agulha de coser, mas também dedais, tampas ou casquilhos de lâmpadas – aplicados estes no desenho das formas circulares – resultando tudo num conjunto de elementos muito bem delineado e encadeado, que posteriormente será preenchido com os pequenos fragmentos de quartzo ou com simples reticulado inciso. No fundo, é este desenho que dita em grande parte a qualidade artística do produto final.

     

    Pedrar


    Com a peça não completamente seca, mas já a apresentar a consistência necessária para não se deformar com a manipulação, nem se vir a retrair demasiado uma vez os fragmentos já incrustados, as pedras são então introduzidas no barro, ao longo dos riscos. A forma correta de o fazer é com a parte mais pontiaguda para dentro, deixando virada para o exterior a sua face mais plana, e pressionando-se depois as mesmas com a unha do polegar ou do indicador, por forma a que fiquem bem presas e não salientes. De resto, ao passar a mão pela face da peça depois de empedrada, a mesma deve estar o mais lisa possível, ou seja, com a superfície toda ao mesmo nível.

    No caso das peças arredondadas, a tarefa de empedrar é normalmente levada acabo no colo da pedradeira, enquanto no caso das peças planas, como pratos e travessas, a mesma tem lugar sobre uma mesa.

    Após a peça completamente pedrada, são então preenchidos o interior de alguns desenhos, ou motivos, com um reticulado inciso, feito com a agulha de coser, e muitas vezes é mesmo desenhado um segundo risco à volta dos motivos.

    Pedras de quartzo que serão posteriormente cozidas no forno e trituradas em pequenos fragmentos e utilizados na decoração das peças.
    Pedras de quartzo que serão posteriormente cozidas no forno e trituradas em pequenos fragmentos e utilizados na decoração das peças.
    	A Pedradeira, normalmente a mulher do oleiro, risca a peça com uma agulha de coser, executando os desenhos que pretende.
    A Pedradeira, normalmente a mulher do oleiro, risca a peça com uma agulha de coser, executando os desenhos que pretende.
    A Pedradeira escolhe as melhores pedrinhas para incriustar na peça, obtendo assim uma decoração mais homogénia.
    A Pedradeira escolhe as melhores pedrinhas para incriustar na peça, obtendo assim uma decoração mais homogénia.
    Execução do reticulado inciso final com agulha, para preenchimento de certos desenhos.
    Execução do reticulado inciso final com agulha, para preenchimento de certos desenhos.
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    A operária introduz as pedrinhas de quartzo ao longo dos riscos feitos na peça, sempre com a parte mais pontiaguda para dentro e depois pressiona-as com a unha do polegar.

     

    A Cozedura

    Depois de pedrada, a peça vai então perder a verdura, ou seja, é deixada durante alguns dias à temperatura ambiente, no interior da oficina, em local resguardado da luz, com o intuito de a mesma ganhar a consistência ideal para suportar as temperaturas da cozedura.

    Apesar de, hoje em dia, esta fase ser mais facilmente controlável devido à introdução dos fornos elétricos, o processo da cozedura continua a ser muito delicado, devido à constituição geológica da pasta utilizada nas peças, que, não aguentando altas temperaturas, acaba muitas vezes por fender.

    Ora, era precisamente tendo em conta esta especificidade que, tradicionalmente, o processo de cozedura abarcava duas fases distintas, denominadas na linguagem regional de desquento e lavar a loiça.

     

    Desquento


    Nesta fase, e por forma a manter sempre uma chama baixa de molde às peças cozerem devagar e sem rachar, o oleiro deita lenha grossa na caldeira do forno durante cerca de uma hora. Este tipo de chama produz um fumo muito espesso, que se aglomera no interior do forno, dando às peças uma cor bastante negra, que torna então necessário o processo seguinte de lavar a loiça.

     

    Lavar a Loiça


    Com a peça não completamente seca, mas já a apresentar a consistência necessária para não se deformar com a manipulação, nem se vir a retrair demasiado uma vez os fragmentos já incrustados, as pedras são então introduzidas no barro, ao longo dos riscos. A forma correta de o fazer é com a parte mais pontiaguda para dentro, deixando virada para o exterior a sua face mais plana, e pressionando-se depois as mesmas com a unha do polegar ou do indicador, por forma a que fiquem bem presas e não salientes. De resto, ao passar a mão pela face da peça depois de empedrada, a mesma deve estar o mais lisa possível, ou seja, com a superfície toda ao mesmo nível.

    Esta fase tinha início quando o fumo negro desaparece e a chama começa a ganhar uma cor alaranjada, o que significa que se atingiu uma temperatura de cerca de 800º a 900º centígrados no forno. O oleiro começa então a deitar lenha miúda, como esteva e outros arbustos de ramo, conseguindo assim uma chama alta, mas sem nunca aumentar a temperatura do forno, evitando que a loiça estale. É precisamente esta chama alta, que, ao envolver as peças (num processo que se quer bastante rápido) come o negro produzido pelo fumo, tornando-as avermelhadas, como se pretende.

    Por fim, as peças ficam a arrefecer dentro do próprio forno, sendo dali retiradas passados dois ou três dias, verificando então o oleiro se as mesmas estão intactas e bem cozidas.

    Barranhão - recipiente onde o oleiro molhas as mãos
    Forno antigo a lenha
    Cana: utensílio utilizado pelo oleiro para alisar a peça
    Processo da cozedura em forno antigo a lenha
    Processo de tingimento da peça com barro vermelho, utilizando a aplanata
    Processo da cozedura em forno a gás